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quarta-feira, 10 de agosto de 2011



A HISTÓRIA DA BELEZA NUMA PERSPECTIVA DE PODER

          A beleza é percebida na história desde as mais antigas mitologias, tradições culturais e religiosas. Mesmo antes do surgimento da escrita, isso pode ser percebido devido os registros deixados e encontrados nas formas rupestres, produzidas por seres humanos e comunidades pré-históricas (ECO, 2004). As abordagens históricas e suas concepções de belo nos períodos da história da humanidade estão intimamente ligadas à beleza do homem, da natureza, da arte, da religião, mas também à beleza da feiúra.
         Pois a beleza, segundo a filosofia, desde os tempos de Sócrates e Platão, vem sendo estudada e analisada de forma sistemática, onde é chamado de belo tudo aquilo que desperta nos homens um sentimento particular chamado de “emoção estética”, quer seja perante espetáculos da natureza, quer seja diante de um belo ser humano ou um produto da arte (pintura música arquitetura etc.). O certo é que a emoção estética dependerá pelo menos em parte, dos valores culturais do momento, e a história perceberá isso (VIGARELLO, 2006).
         O objetivo da História da Beleza é mostrar como ao longo dos tempos o belo e a beleza se relacionam com as sociedades numa perspectiva política, social, cultural e histórica. Ao longo da história, a beleza é considerada como ponto primordial das relações humanas. Ela está associada àquilo que é bom, onde o bom é agradável e o princípio ideal para aquilo que é belo (ECO, 2004). O cabelo, por exemplo, têm sido um espaço importante de jogos de poder e beleza entre homens e mulheres, desde os tempos primitivos da breve presença humana na terra (VIGARELLO, 2006). Durante muito tempo, as mulheres foram consideradas de físico e inteligência inferiores e, uma comparação entre gêneros aqui não favoreceria aquela que ao longo dos séculos tem sido o referencial maior da beleza estética, mas também da fragilidade física com raras exceções (QUÉRÉ, 1984).
         Os homens empunharam no decorrer da história, de forma ditatorial, modelos de beleza feminina, ao ponto de serem considerados sinônimos de beleza divina, haja vista, não serem tão belos como pensavam ser. Vide os casos de, Ramissés Faraó do Egito, Assuero (Xerxes) na Pérsia, Alexandre o Grande na Grécia-Macedônia, os Imperadores romanos tidos como divindades sinônimas de beleza extrema e outros tantos que encarnaram o espírito do belo e da força em suas respectivas épocas. Enquanto suas belas esposas e concubinas “apenas” eram belas, deixando claro que o poder da beleza também é poder político, algo vedado ao sexo considerado frágil em várias culturas antigas e medievais (BRENNER, 2003).
         Contudo, as formas integradoras de vidas sociais, construídas por homens para manter a coesão do grupo em que vive e aquilo que propõe como representação do mundo, é o que se busca compreender através das relações do belo com a sociedade em cada local de cada cultura em algum momento histórico. Todavia, a norma expressa nas instituições, discursos, ritos e imagens, que formam representações como realidades paralelas à existência dos indivíduos, contribuem para que a humanidade viva em torno delas. Porém, as representações construídas sobre o mundo não só se colocam no lugar deste mundo, como fazem com que os homens percebam a realidade e pautem a sua existência. Isso foi o que aconteceu com aqueles que se encontraram dominados em vários momentos da história, ou seja, a beleza era coisa restrita aqueles que dominavam. No entanto, são matrizes geradoras de condutas e práticas sociais, dotadas de força integradora e coesiva, bem como explicativa do real. Indivíduos e grupos dão sentido ao mundo por meio das representações que constroem sobre a realidade (PESAVENTO, 2005).
         O dominado ao longo dos séculos estava desprovido do belo (pela cultura a eles imposta, mesmo que hoje saibamos que isso não condizia com a verdade). Contudo, o dominador era a essência e a representação do belo e daquilo que exaltava a beleza (o que na verdade era um equivoco, pois a beleza aqui fora confundida com educação, higiene e nobreza, algo vedado ao dominado). 
         Por fim, a beleza visível representa apenas o reflexo de uma beleza invisível, sendo esta, no conceito medieval por sua vez, apenas o reflexo da beleza absoluta (divina). A noção de belo como algo objetivo, seja porque remete ao divino, ao mundo das ideias, ou porque está ligado a critérios e normas não metafísicas, porém, universais não resistiram na era moderna (CASTELFRANCHI, 2005). Pensadores como Kant, que via na experiência do belo a realização das capacidades mais elevadas do ser humano, definiram o belo como “aquilo que agrada universalmente sem conceito”, vale dizer como objeto de juízo e de gosto que dependa da “sensibilidade estética” de cada um, e não da inteligência conceitual (MADJAROF, 2006). Porém, a beleza a partir do século XX, está condicionada àquilo que se pode comprar, ou seja, o belo nem sempre está inerente ao ser, no sentido interno ou externo, mas sim de como se pode ter beleza artificialmente comprando-a nos salões e centros estéticos, ou nas mais variadas lojas especializadas. Nesta perspectiva o dominador continua belo, já o dominado nem sempre, pois seu acesso à beleza é limitado.
Professor Nilton Carvalho é Historiador, Especialista em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-Goiás), Teólogo e mestrando em Ciências da Religião.