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domingo, 25 de setembro de 2011


Ideologia e alienação em Karl Marx

         Nossa sociedade vive um estado de nostalgia e coma ideológico (MARX, 1997) até parece que leva ao pé da letra a afirmação de nosso Hino Nacional quando afirma que estar “deitado eternamente em berço esplêndido”. Será que precisaríamos de um novo período de repressão militar como o que tivemos entre 1964 e 1985, no Brasil, para voltarmos a produzir ideologias voltadas para o social-político e para a cultura? Ideologias estas livres de alienação capitalista e neoliberal, contudo apontando para o ser humano como objeto histórico e pensante, dono de seu próprio pensar e fazer. Tudo bem, que como afirma Chauí não há como viver sem alienação mesmo que esta seja inconsciente ou consciente, todavia, haverá sempre um meio alienante e ideológico dominante, pois,

A alienação social é o desconhecimento das condições histórico-sociais concretas em que vivemos, produzidas pela ação humana também sobre o peso de outras condições histórica anteriores e determinadas. Há uma dupla alienação: por um lado os homens não se reconhecem como agentes e autores da vida social com suas instituições, mas, por outro e ao mesmo tempo, julgam-se indivíduos plenamente livres, capazes de mudar suas vidas individuais quando e como quiserem, apesar das instituições sociais e das condições históricas. No primeiro caso, não percebem que instituem a sociedade; no segundo caso, ignoram que a sociedade instituída determina seus pensamentos e ações (CHAUÍ, 2000. p. 172).

         No Brasil não é diferente, pois desde nossa descoberta (ou seria invasão?) por Cabral em 1500 que a política ideológica brasileira é disseminada em prol dos que dominam, sempre buscando alienar, dominar, dirigir e pensar pelos dominados. Por isso, se encontrar deitado em berço esplendido eternamente dá uma falsa impressão de felicidade social em nosso “sossegado”, ou seria sofrido (explorado, omisso, alienado, massa de manobra, que perde sua breve e valiosa vida com Big Brother Brasil, Carnaval, “baladas”, mentiras religiosas etc., e esquecem-se da política, economia, educação, cultura etc.) povo brasileiro. Marx nos advertiu já a muito sobre isso, quando afirma

Até agora, os homens formaram sempre ideias falsas sobre si mesmos, sobre aquilo que são ou deveriam ser. Organizaram as suas relações mútuas em função das representações de Deus, do homem normal, etc., que aceitavam. Estes produtos do seu cérebro acabaram por dominá-los; apesar de criadores, inclinaram-se perante as suas próprias criações. Libertemo-los, portanto das quimeras, das ideias, dos dogmas, dos seres imaginários cujo jugo os faz degenerar. Revoltemo-nos contra o império dessas ideias. Ensinamos os homens a substituir essas ilusões por pensamentos que correspondam à essência do homem, afirma um; a ter perante elas uma atitude crítica, afirma outro; a tirá-las da cabeça, diz um terceiro e a realidade existente desaparecerá (Marx e Engels, 1997, p. 3).
 
         Por todas estas verdades, parafraseamos aqui o cantor Cazuza que na década de 1980 disse “ideologia: quem quer uma para viver?” Teria Cazuza, desejado de fato uma ideologia social, ou sua declaração seria uma ideologia a não ideologia?  Visto que a concepção de ideologia em Marx faz-se presente a separação de produção de ideias e o momento histórico-social, isto é, a ideologia concebe essa dissociação no afã de explicar o que ocorre à volta do individuo (MARX, 1985; CHAUÍ, 1984).
         No Brasil, poucos cidadãos se preocupam com ideologias atualmente, diferentemente do período da repressão quando se buscavam novas formas de pensar o Estado, a política e a cultura.   Os cidadãos de hoje não se preocupam se são ou não manipulados pelo Sistema e pela alienação midiática. Isso pouco importa, o que realmente importa é ser querido pela sociedade ao seu redor, se você pensar ofende aos outros, até mesmo no seio acadêmico pensar é ser “chato”, é “querer aparecer” é ser o “sabe tudo”, tamanha a falta de ideologia autônoma e uma profunda presença de alienação sócio-cultural (ideologia heterônoma). Com certeza, como afirmou Feuerbach sobre as coisas da realidade, que no mundo sensível são tomados apenas sobre a forma do objeto, ou da contemplação, mas não como atividade sensível humana, mas sim, uma práxis não subjetivamente. Por isso, aconteceu que o lado ativo foi desenvolvido, em oposição ao materialismo, pelo idealismo; mas apenas abstratamente, pois que o idealismo naturalmente não conhece a atividade sensível, real, como tal (FEUERBACH, 1977).
         Então, ideologia e alienação são situações ambíguas e ao mesmo tempo andam juntas, pois a questão é saber se o pensamento humano pertence à verdade objetiva, pois é na práxis que o ser humano tem que comprovar a verdade, ou seja, a realidade e o poder do seu pensamento (MARX, 1997; CHAUÍ, 1984). Contudo, no Brasil poucos ou quase ninguém se preocupam com isso, a preocupação que se percebe é a de reproduzir a vida ou modo de vida dos que dominam. Visto que a alienação não é o mesmo que ideologia para Marx e dela se diferencia substancialmente.  A alienação que se expressa na primeira forma da consciência é subjetiva, profundamente enraizada como carga afetiva, baseada em modelos e identificações de fundo psicológico (FEUERBACH, 1977). A ideologia agirá sobre esta base e se servirá de duas características fundamentais para exercer uma dominação que, agindo de fora para dentro, encontra nos indivíduos um suporte para que se estabeleça subjetivamente (Marx e Engels, 1997).
         É por isso, que aquele que defende algo diferente no Brasil não é aceito ou bem compreendido, pois seus arquétipos diferem daquilo que é pregado como o curso natural das coisas. Se Marx visitasse uma Instituição de Ensino no Brasil, em qualquer de seus níveis de educação, como um bom judeu (não pela religião judaica, mas sim pela tradição) rasgaria suas vestes como faria um bom e velho sacerdote do judaísmo ante a uma heresia. Marx se depararia com a mais profunda sonolência social disfarçada de bem estar, pois ideologia não pode ser compreendida apenas como um conjunto de ideias, que pelos mais diferentes meios (de comunicação de massas, escola, igrejas, partidos políticos etc.) são enfiadas na cabeça dos indivíduos (FEUERBACH, 1977).  Isto levaria ao equívoco de conceber uma ação anti-ideológica como a simples troca de velhas por “novas” idéias (MARX, 2004). Haja vista, quando, numa sociedade de classes, uma delas detém os meios de produção tende a deter também os meios para universalizar sua visão de mundo e suas justificativas ideológicas a respeito das relações sociais de produção que garantem sua dominação econômica (MARX e ENGELS, 1997).
         Como afirmou Maciel (2004), as classes dominantes deram um golpe político e ideológico no Brasil em 1964, contudo afirmamos que este golpe começou com a chegada de Cabral em 1500, pois

Embora Marx tenha escrito sobre ‘a ideologia em geral’, o texto em que se realiza a caracterização da ideologia tem por título: A Ideologia alemã. Isso significa que a análise de Marx tem como objetivo privilegiado um pensamento historicamente determinado, qual seja, o dos pensadores alemães posteriores ao filósofo alemão Hegel (CHAUÍ, 2006, p. 34).

         Todavia, nossos pensamentos foram predeterminados por aqueles que conheciam estas verdades marxianas, sabendo eles (as classes dominantes) como manipularem e determinarem o que se poderia pensar, assim desde a chegada dos colonizadores não se pensa por si mesmo no Brasil. Com essa afirmação de Chauí (2006), fica bem caracterizada a vertente que dá base à Ideologia alemã, diferente daquela definição do termo ideologia, que trata de um senso comum bem mais sofisticado e abrangente, com base na representação que fazemos das coisas. Entretanto, não se pode esquecer que é impossível viver sem ideologia. A sua presença é uma constante na vida de todo mundo. Cada pessoa é conduzida por um bloco de ideário e normas que orientam seus atos, consciente ou inconscientemente. Isso significa que, muitas vezes, a ideologia é assumida; outras vezes, age imperceptivelmente. A pessoa não se dá conta de sua influência, mas a ideologia permanece latente e determina a visão de mundo que a pessoa tem (CHAUÍ, 2006).
         Todavia, ideologia e alienação caminham de mãos dadas, mas os homens, em especial os brasileiros pós-repressão vivem como afirma Marx nas ideias dos que dominam nada mais são que a expressão ideal das relações materiais dominantes, as relações materiais dominantes concebidas como ideias; portanto, a expressão das relações que tornam uma classe a classe dominante, são as ideias de sua dominação (MARX e ENGELS, 1997). Vemos em nossa sociedade que a religião aliena, assim como fazem a política, a opinião pública, a educação e todos os veículos de comunicação. Mesmo assim, muitos de nós, ou seja, quase que toda a totalidade de nossa sociedade não se importa com aquilo que ditam como modelos de vida, diferentemente do que fez Marx quando rompe com aquilo que era a corrente natural de sua época, pois  

Esses novos elementos acima colocados são de suma importância, especialmente para a parte referente à aproximação e, posteriormente, ao rompimento de Marx com o sistema hegeliano, pois Marx defendeu o materialismo dialético, visando a superar o pensamento de Hegel, último filósofo clássico alemão, autor do esquema dialético, no qual o que existe de lógico, natural, humano e divino oscila perpetualmente entre a tese e a antítese até chegar a uma síntese mais rica [...]. Os pensamentos da classe dominante são também em todas as épocas, os pensamentos dominantes; em outras palavras, a classe que é o poder ‘material’ dominante numa determinada sociedade é também o poder espiritual dominante. A classe que dispõe dos meios da produção material dispõe também dos meios da produção intelectual, de tal modo que o pensamento daqueles aos quais são negados os meios de produção intelectual está submetido também à classe dominante. Os pensamentos dominantes nada mais são do que a expressão ideal das relações materiais dominantes; eles são essas relações materiais dominantes consideradas sob forma de ideias, portanto, a expressão das relações que fazem de uma classe a classe dominante; em outras palavras, são as ideias de sua dominação (MARX e ENGELS, 1997; p. 48).
        
         Nisso podemos perceber que as relações sociais determinantes, baseadas na propriedade privada capitalista e no assalariamento da força de trabalho, geram as condições para que a atividade humana aliene ao invés de humanizar.  A vivência destas relações produz uma alienação expressa em três níveis afirma Marx. Ou seja, o ser humano está alienado do trabalho de sua natureza, de si mesmo e de sua espécie (MARX, 1985). Ao viver o trabalho alienado, o ser humano aliena-se da sua própria relação com a natureza, pois é através do trabalho que o ser humano se relaciona com a natureza, a humaniza e assim pode compreendê-la. Num segundo aspecto, o ser humano aliena-se de sua própria atividade.  O trabalho sofre metamorfose, isto é, deixa de ser a ação própria da vida para converter-se num “meio de vida”.  Ele trabalha para o outro, contrafeito, o trabalho não gera prazer, é a atividade imposta que gera sofrimento e aflição.  Alienando-se da atividade que o humaniza, o ser humano se aliena de si próprio (auto-alienação). Por último, alienando-se de si próprio como ser humano, se tornando coisa (o trabalho não nos torna em seres humanos, mas é algo que vendemos para viver), o indivíduo afasta-se do vínculo que o une à espécie.  Ao invés do trabalho tornar-se o elo do indivíduo com a humanidade, a produção social da vida, metamorfoseia-se num meio individual de garantir a própria sobrevivência particular (CHAUÍ, 2006).
         Por fim, como explicar a consciência que os homens têm ou deixam de ter a respeito de seu próprio modo de vida, da produção material de sua sociedade e das relações de classe, sejam elas econômicas, sejam públicas? Podemos dizer que realmente estamos deitados eternamente em berço esplêndido, ou pode ser dito que a consciência está ligada às condições materiais de vida e ao intercâmbio econômico entre os homens (MARX, 1997). Todavia, a consciência que os homens têm dessas relações, afirmam nossos autores aqui superficialmente analisados, não condiz com as relações materiais que de fato vivem (MRX e ANGELS, 1985). As ideias e as concepções sobre como funciona o mundo são representações que os homens fazem a respeito de suas vidas, do modo como as relações aparecem na sua experiência cotidiana. Essas representações são, portanto, aparências ideológicas e alienantes afirmariam Marx e Engels (1978). Onde a materialidade destas relações produtoras da alienação, é expressa no universo das ideias como ideologia.  São, nas palavras de Marx, as relações materiais concebidas como ideias, que se entende que a ideologia encontra na primeira forma da consciência uma base favorável para sua aceitação levando o homem, portanto à alienação (MARX, 2004).

Referencias bibliográficas

CHAUI, Marilena. O que é ideologia. 2ª ed. São Paulo: Brasiliense, 2006.
FEUERBACH, Ludwig. A Ideologia Alemã. Editorial Grijalbo, São Paulo, 1977.
MACIEL, Davi. A argamassa da ordem: da Ditadura Militar à Nova República (1974-. 1985). São Paulo, Xamã, 2004.
MARX, Karl & ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã (Feuerbach). São Paulo, Editorial Grijalbo, 1997.
_______ São Paulo, Abril Cultural, 1985. Col. Os Pensadores.
_______ Manuscritos econômicos- filosóficos de 1844. São Paulo, Boitempo; 2004.
_______ Teses sobre Feuerbach in Marx. SP: Abril Cultural, Col. Os pensadores, 1978.

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